domingo, 21 de novembro de 2010

O JUDAISMO E A MULHER*

                                Alina Treiger*

No Talmud achamos leis que confirmam a Halacháh, a lei judaica. Porém muitas vezes a prática fica longe do que a lei judaica propõe a respeito dos direitos, obrigações e status das mulheres. Muitas práticas dentro do judaísmo nas quais se discrimina a mulher não tem nenhum embasamento halachico (legal).

Portanto, cabe nos perguntarmos como é que sucede este fenômeno. A resposta é bastante simples: o desenvolvimento do judaísmo não se deu fora das demais sociedades, portanto, muitas práticas são parte da fusão que se produz no convívio entre diferentes culturas.

Não podemos esquecer que as fontes foram escritas pelos homens, interpretadas e analisadas por escolas rabínicas também constituídas por homens.

Igualmente a perseguição que sofre a mulher na história universal é a que sofreu a mulher judia dentro de seu povo, para compreender este desenvolvimento se requer comparar e contrastar as escrituras e a vida cotidiana e desta comparação nascem os papéis múltiples que as mulheres ocuparam e ocupam na vida judaica.

O papel da mulher não somente modificou o judaísmo através de variáveis como os espaços geográficos (diáspora) ou o tempo histórico senão também em função das diferentes correntes e interpretações que existiram e existem sempre no judaísmo.

Por exemplo, os talmudistas deram direitos às mulheres, como a propriedade privada, e estabeleceu o contrato matrimonial através do qual o homem se via na obrigação de manter, apoiar e honrar a sua esposa. E no século Xl quando o rabino Guershon de Mainz junto a outros sábios proíbe ao homem ser bígamo ou a divorciar-se de sua esposa sem seu consentimento.

Mas a mudança profunda a respeito do status da mulher no judaísmo deu-se a partir da modernidade quando o próprio judaísmo se enfrentou com as trocas ideológicas e filosóficas que sacudiram a Europa. Além do que, sempre existiram diferentes escolas e idéias dentro do judaísmo desde tempos bíblicos, todas se mantinham debaixo de um guarda chuva comum que era viver de acordo com a lei judaica, portanto, o judaísmo não era uma religião e sim, uma forma de viver.

A modernidade obrigou ou judeus a separar a religião do resto dos aspectos que compunham a cultura judaica, por exemplo, o idioma, o modo de organização, a educação etc.

Uma das conseqüências fundamentais foi até hoje em dia a formação de distintas correntes religiosas dentro do judaísmo. É por isso que temos judeus ortodoxos, judeus reformistas, judeus conservadores, judeus laicos, judeus sionistas, judeus antissionistas e um sem números de sub-ramos dentro destes. Cada uma destas linhas dentro do judaísmo tem sua postura a respeito da relação e o status da mulher dentro da comunidade.

Por exemplo, vejamos alguns dados: os judeus reformistas em 1846 (Alemanha) outorgaram igualdade religiosa à mulher; isto significou que podiam ascender à leituras públicas da Torá (ser chamada à Torá), utilizar talit, tefilin, etc. Em 1972 o Seminário Reformista do Hebrew Union College ordenou a primeira mulher rabina; dez anos mais tarde já havia 72 delas.

O movimento conservador sempre se manifestou pela igualdade do homem e da mulher no serviço religioso, foi só em 1984 que se ordenou a primeira mulher rabina.

A corrente ortodoxa ainda hoje se nega a aceitar este como um possível direito para a mulher.

Se aproximarmos a lupa tanto ao Talmud como ao Tanach concluiremos que ambas estão cheias de histórias, relatos, anedotas, personagens e leis vinculadas ao mundo feminino e por suposto às mulheres.

Assim se consultarmos o índice do Talmud constatamos que a questão das mulheres é vista em numerosos tratados sendo um tema muito importante.
Dos seis grandes tratados (sedarim) que compõem o Talmud, há um denominado Nashim (mulheres) e outro denominado Tehorot (purezas) e entre este um denominado Nida: menstruação.

Em inumeráveis passagens se fala de mulheres.

Mas também temos que dizer que o Talmud é esse livro onde os homens falam delas, recorrer suas paginas é adentrar-se no pensamento judeu masculino a respeito da mulher.

A Halacháh indica que é judeu aquele nascido de um ventre judeu significando que o judaísmo se transmite por linha materna e se acreditam que é simplesmente um tema de sangue, mas não, é bastante mais complexo. Se bem que a lei foi instaurada em tempos medievais, já na Bíblia aparecem os grandes personagens, heróis (homens) vinculados desde antes de seu nascimento a histórias de mulheres. Assim grandes personagens como José, Moisés, David, Samuel e outros começam seus relatos antes de seu nascimento; em alguns casos mulheres estéreis que finalmente conseguem parir, em outros o desejo de ser judia, em outros amores não correspondidos, mas em todos os casos o que verdadeiramente transmitem essas mães para a cultura judaica é o desejo de pertencer ao povo judeu; aí esta a chave da relação entre a lei judaica da qual fazem parte as mulheres.

Segundo os talmudistas, a mulher é a pedra angular da família, a guardiã da Fé e transmissora da cultura. Os rabinos extraem esta conclusão do texto bíblico, pois em Gênesis 1 diz: que a mulher foi criada da costela (osso) de Adão. Portanto, daí obtém sua dureza enquanto que o homem surgiu a partir de terra.

Outros textos Talmúdicos entendem a mulher como sendo mais inteligente que o homem dado que o texto bíblico utiliza o verbo: bana, construir para a criação da mulher. Em hebraico, inteligência provém desse mesmo verbo: bina. Enquanto que para Adão foi lhe dado à vida a partir de um sopro de ar.
Como sempre no mundo das fontes estas considerações têm aplicações legais, portanto, disso se deduz que a maioridade dentro do judaísmo para as mulheres é antes que para os homens; o Bar mitsváh é aos 13 anos e o Bat Mitzváh para as mulheres é aos 12 anos.

Estes exemplos servem simplesmente para nos perguntarmos se realmente a sociedade judaica é e foi tão patriarcal ou se somente é assim em aparência.

Muitos versículos o mishnaiot declaram que para que o homem seja um ser completo necessita da companhia de uma mulher.

“Um homem solteiro não é um homem no pleno sentido da palavra” (T.B. Iebamot, p. 63 b)

“Quem encontrou uma mulher encontrou um bem” (Provérbios 18, vers. 22)
  
Para o judaísmo a boa esposa não é aquela mulher submissa e submetida passivamente a seu esposo, mas sim, a mulher que leva as rendas do lar transformando-o em um lugar judeu. Lar e mulher são termos que para a cultura judaica caminham paralelamente, mas assim como podemos citar múltiplos exemplos nos quais as mulheres são descritas como seres possuidores de grandes virtudes também poderíamos achar nas escrituras dezenas de citações altamente misóginas que desqualificariam todo o escrito até agora. Por exemplo, citar que até o século XX o movimento ortodoxo não considerava  a educação formal para as mulheres dada sua escassa participação da vida religiosa comunitária. Simplesmente podiam escutar as aulas separadas dos meninos. Desde 1917 diversas autoridades religiosas consideraram um tanto contraditório depositar a responsabilidade da educação no lar com a mulher e que não estava corretamente preparada para desenvolver tal tarefa.

Foi então que em Cracovia (Polônia) se organizou a primeira escola para mulheres, iniciando o sistema educativo que existe hoje em dia Beit Iaacov.
Esta tensão permanente entre igualdade e discriminação se arrasta desde as raízes da cultura judaica. Às vezes, se sobrepõe uma atitude, às vezes outra. Ambas convivem nele.

O judaísmo mantém uma atitude basicamente ambivalente quanto à mulher. Nossa geração corre o risco que ocorram outras. E o que o texto objetiva é que se converta em um padrão de uma ou outra visão de mundo. O texto em sua riqueza infinita guarda todas as vozes. Nossa é a sabedoria de saber ouvir-las e não ficarmos somente com uma.


* Homenagem à Alina Treiguer.
Pela primeira vez em 75 anos, uma mulher foi ordenada na Alemanha, marcando a retomada de uma comunidade judaica devastada pela Shoah (Holocausto).
 Alina Treiger, 31 anos, originária da Ucrânia, tornou-se sacerdote do culto judaico durante cerimônia emocionante em uma sinagoga do oeste de Berlim, que contou com a presença do presidente, Christian Wulff.
 Ela é a segunda mulher ordenada na Alemanha. A primeira, também do mundo, a conseguir o título foi Regina Jonas, em 1935 – assassinada em Auschwitz em 1944, aos 42 anos.

Um comentário:

  1. Ótima matéria, me ajudou abrir mais a mente em relação da importância da mulher dentro do judaísmo. Obrigada.

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