quinta-feira, 8 de março de 2012

As palavras do Rabino Weitman da Sinagoga Beit Yaakov. Esse nome lembra meu pai Yaakov e nossa antiga casa, a casa de Yaakov. Em homenagem ao Rav. dessa casa, meu filho se chama David.

Rabino Y. David Weitman, estudioso belga que chegou ao Brasil em 1979 e desde 1993 atua como Rabino na Sinagoga Beit Yaacov.

Aparentemente, a narração da "Paixão de Jesus" foi, no passado, um assunto bastante delicado para os judeus. Como vê esta questão?

Rabino David Weitman
Efetivamente, ao se fazer uma retrospectiva, não há dúvida de que, durante séculos, principalmente na Europa, o período da dramatização da Paixão de Jesus sempre se constitui um momento difícil para as comunidades judaicas. Os judeus sabiam que, nessa época, o ódio das massas contra eles era mais insuflado, levando a perseguições, massacres e matanças de inocentes, os chamados pogroms. Por isso, muitas pessoas se trancavam em suas casas, já antevendo a onda de violência que poderia se abater sobre a população judaica em dia nefasto e difícil. O responsável pela transformação gradativa dos sentimentos do mundo cristão em relação aos judeus foi o Papa João XXIII, pioneiro que, em 1965, durante o Concílio Vaticano II, definiu novas regras sobre o tema da Paixão e as incluiu no documento denominado Nostra Aetate, que renegava claramente o conceito secular de que os judeus eram os responsáveis pela morte de Jesus. Segundo as determinações desta declaração conciliar (Encíclica), não se poderia mais imputar a culpa aos judeus pelos acontecimentos do passado. Ele retirou, sem sombra de dúvida, a acusação de deicídio e proibiu a disseminação de manifestações anti-semitas durante as preces e liturgias, em todo o mundo. O Papa também lamentou os ressentimentos e as mágoas do passado, ressaltando que os judeus não poderiam mais ser condenados ou amaldiçoados.
Qual era a relação entre a elite judaica e os representantes de Roma, naquele período?
Rabino David Weitman:É preciso sempre ter bem claro que, naquela época, o povo de Israel era súdito do Império Romano. Como tal era oprimido e sujeito a um poder supremo representado pelo governador - indicado por Roma - e pelo exército romano. Não havia outro poder político e eram estas forças - governador e exército - que tomavam todas as decisões. É necessário lembrar, ainda, que, a exemplo de Jesus, centenas de milhares de judeus que viviam sob dominação romana também morreram crucificados e que comunidades inteiras da Galiléia foram exterminadas pelos soldados durante o governo do imperador Adriano. Dizem nossos sábios que os cavalos cavalgavam nos povoados judaicos em meio a um mar de sangue, tantas as vítimas inocentes das tropas de Roma. Como poderia, então, esta suposta elite judaica decidir ou impedir a morte de Jesus se não era capaz sequer de impedir a matança constante de tantas outras pessoas? Infelizmente, o sofrimento e o martírio de milhões de judeus, entre os quais rabi Akiva e outros nove sábios, durante este período, é sistematicamente omitido da história...

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A VERDADEIRA ORAÇÃO

Não podemos, ó Deus, pedir-Te simplesmente que acabes com a guerra; pois sabemos que fizeste o mundo De maneira que o homem pode encontrar seu próprio caminho para a paz Dentro de si e com seu vizinho.

Não podemos, ó Deus, pedir-Te simplesmente que acabes com a inanição; Pois já nos deste recursos Suficientes para alimentar o mundo todo Se o utilizarmos com sabedoria.

Não podemos, ó Deus, pedir-Te simplesmente para acabar com o preconceito, Pois já nos deste olhos Para vermos o bem em todos os homens, Bastando usá-los corretamente.

Não podemos, ó Deus, pedir-Te simplesmente que acabes com o desespero, Pois já nos deste o poder De eliminar as favelas e distribuir esperança, Se formos capazes de usar nosso poder com justiça.

Não podemos, ó Deus, pedir-Te simplesmente que acabes com a doença, Pois já nos deste grandes inteligências Para pesquisar e descobrir as curas, Só nos faltando usá-las construtivamente.

Assim, em vez disso tudo nós Te pedimos, ó Deus, Fortaleza, determinação e vontade, Para fazermos e não apenas orarmos, Para sermos e não simplesmente desejarmos.

Rabino Jack Riemer, Likrat Shabbat
Trecho extraído do livro “Ação Social in Living God’s Justice: Reflections and Prayers.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

ANTISSEMITISMO


DISCURSO DE JOÃO PAULO II
 DURANTE A VISITA AO MEMORIAL "YAD VASHEM"

Jerusalém, Março de 2000

As palavras do antigo Salmo brotam do nosso coração:
"Estou como um objecto perdido.
Ouço as calúnias de muitos,
e o pavor me envolve!
Eles conspiram juntos contra mim
e tramam tirar-me a vida.
Quanto a mim, Javé,
eu confio em Ti, e digo:
"Tu és o meu Deus!"" 
(Sl 31, 13-15).

1. Neste lugar da memória, a mente, o coração e a alma sentem uma extrema necessidade de silêncio. Silêncio para recordar. Silêncio para procurar dar um sentido às recordações que retornam impetuosas. Silêncio porque não há palavras bastante fortes para deplorar a terrível tragédia do Shoah. Eu mesmo tenho recordações pessoais de tudo aquilo que aconteceu quando os nazistas ocuparam a Polónia durante a Guerra. Recordo os meus amigos e vizinhos judeus, alguns dos quais morreram, enquanto outros sobreviveram.
Vim a Yad Vashem para prestar homenagem aos milhões de Judeus que, privados de tudo, em particular da sua dignidade humana, foram mortos no Holocausto. Passou mais de meio século, mas as recordações permanecem.
Aqui, como em Auschwitz e em muitos outros lugares na Europa, somos afligidos pelo eco dos lamentos massacrantes de um grande número de pessoas. Homens, mulheres e crianças gritam-nos dos abismos do horror que conheceram. Como podemos deixar de prestar atenção ao seu clamor? Ninguém pode esquecer ou ignorar quanto aconteceu. Ninguém pode diminuir a sua dimensão.
2. Queremos recordar. Mas queremos recordar para uma finalidade, ou seja, para garantir que o mal jamais prevalecerá, como aconteceu com milhões de vítimas inocentes do Nazismo.
Como pôde o homem provar um tal desprezo pelo homem? Porque chegou ao ponto de desprezar a Deus. Só uma ideologia sem Deus podia programar e levar a termo o extermínio de um inteiro povo.
A honra prestada pelo Estado de Israel no Yad Vashem aos "exactamente gentios", por terem agido de modo heróico para salvar judeus, às vezes até com a oferta da própria vida, é uma demonstração de que nem sequer na hora mais sombria todas as luzes se apagaram. Por isto os Salmos e a Bíblia inteira, embora conscientes da capacidade humana de fazer o mal, proclamam que não será o mal que terá a última palavra. Do abismo do sofrimento e da dor, o coração do crente clama:  "Javé, eu confio em Ti, e digo:  "Tu és o meu Deus!"" (Sl 31, 14).
3. Judeus e cristãos compartilham um imenso património espiritual, que deriva da auto-revelação de Deus. Os nossos ensinamentos religiosos e as nossas experiências espirituais exigem que vençamos o mal com o bem. Recordamos, mas não com algum desejo de vingança nem como um incentivo ao ódio. Para nós, recordar significa orar pela paz e a justiça e empenhar-nos pela sua causa. Só um mundo em paz, com justiça para todos, poderá evitar que se repitam os erros e os terríveis crimes do passado.
Como Bispo de Roma e Sucessor do Apóstolo Pedro, garanto ao povo judeu que a Igreja católica, motivada pela lei evangélica da verdade e do amor e não por considerações políticas, sente-se profundamente entristecida pelo ódio, pelos actos de perseguição e pelas manifestações de anti-semitismo cometidas contra os judeus por cristãos em todos os tempos e lugares. A Igreja rejeita qualquer forma de racismo como uma negação da imagem do Criador inerente a todo o ser humano (cf. Gn 1, 26).
4. Neste lugar de solene memória, rezo com fervor para que a nossa tristeza pela tragédia vivida pelo povo judeu no século XX, conduza a uma nova relação entre cristãos e judeus. Construamos um futuro novo no qual já não haja sentimento antijudeu entre os cristãos, nem sentimento anticristão entre os judeus, mas sim o respeito recíproco requerido àqueles que adoram o único Criador e Senhor e olham para Abraão como o nosso pai comum na fé (cf. Nós recordamos:  uma reflexão sobre o Shoah, V; cf. L'Osserv. Rom., ed. port. de 21/3/98, pág. 8, V).
O mundo deve prestar atenção à advertência que provém das vítimas do Holocausto e do testemunho dos sobreviventes. Aqui em Yad Vashem, a memória continua viva e ardente na nossa alma. Ela faz-nos bradar:
"Ouço as calúnias de muitos, e o pavor me envolve!
Javé, eu confio em Ti, e digo:  "Tu és o meu Deus!"" (Sl 31, 13-15).