sábado, 26 de março de 2011

BRASILEIROS NO FRONT


Ferido em Monte Castelo - FEB
Soldado Vessio Manelli - da 3ª Cia do 1º RI , natural de Sorocaba - São Paulo.
"Fui ferido no primeiro ataque ao Monte Castello, no dia 29 de novembro de 1944. À uma hora da madrugada entramos em posição de base do morro. Recebi ordem para cavar, onde passei a noite. À medida que cavava, o chão ia juntando água, de modo que dormi as poucas horas dentro d'água, enrolado na manta.
Ao raiar do dia foi servida uma ração K e ás sete horas da manhã recebemos ordem de avançar pelas encostas do morro, em terreno descoberto. Choviam granadas e projéteis por todos os lados. Fui ferido logo no começo, primeiro nas costas, quando tentava cavar um abrigo. Foi quando uma rajada de metralhadora me atingiu de novo, dois projeteis, um na coxa outro no flanco, perfurando-me o abdômen.
Não podendo mais me locomover, virei-me para o lado dos alemães e fiquei protegendo a cabeça com o capacete de aço. Recebi outra bala bem no meio do tórax, que moeu minha placa de identidade. Fiquei ali ao alcance do tiros do inimigos durante todo dia. Ao escurecer cessou o fogo e um padioleiro veio a meu socorro e me fez um curativo.
Só ás onze da noite é que veio uma equipe de padioleiros para me transportar para as posições da Cia e dali em um JEEP para o posto de socorro do batalhão.
Colocaram um aparelho de ferro na coxa esquerda e me levaram para o hospital de Valdibura, depois Pistóia, Livorno e Estados Unidos, onde passei um mês e meio em New Orleans e Charleston. Vim então para Recife e daí para o Rio de Janeiro. Fui operado cinco vezes e meu corpo está cheio de cicatrizes".
Soldado Temer - do III Grupo de Artilharia, natural do Estado de São Paulo."

Em 5-3-1945, no ataque daqule dia, do 6º RI, contra as posições de Soprasso e Castelnuovo, o Soldado Temer fazia parte, como telefonista, da turma de ligação junto ao 1º Batalhão desse Regimento. Caíam sobre o terreno, sem cessar, bombardeios de artilharia e morteiros. Em dado momento arrebentou-se a linha telefônica da turma. Sem perda de tempo, o soldado Temer saiu para repará-la. Em caminho, junto ao encosta ao Soprasso, ouviu vozes em língua estranha para ele. Cautelosamente aproximou-se do abrigo donde partiam os rumores, cerca de quinze metros à sua frente. Aproximou-se mais, e a dois metros dirigiu-se aos desconhecidos em italiano, que respondeu-lhe apenas com um gemido. Prevendo arma engatilhada, chegou mais perto ainda e viu que eram dois alemães os estranhos ocupantes deste abrigo. Um tentou reagir, mas a ação rápida do soldado Temer anulou qualquer reação do inimigo. Aprisionou-os e os entregou a um oficial de infantaria. Em seguida retornou ao local onde se dera o arrebentamento da linha e tranqüilamente passou a repará-la.

Três Herois Brasileiros

Na Itália, os pracinhas confirmaram a bravura brasileira, lutando, vencendo e até mesmo deixando ali muitas vidas, como sacrifício e prol da liberdade.Dentre os muitos feitos de heroísmo, enfatiza-se a atitude e coragem e abnegação à própria vida de três pracinhas brasileiros, nascidos em Minas Gerais. São eles, Arlindo Lúcio da Silva, Geraldo Baeta da Cruz e Geraldo Rodrigues de Souza.

No ataque a Montese seu pelotão foi detido por intensa barragem de morteiros inimigos, enquanto uma metralhadora hostilizava o seu flanco esquerdo, obrigando os atacantes a se manterem no colados ao solo. O soldado Arlindo , atirador de F.A ., localiza a resistência e junto com os companheiros Geraldo Baeta da Cruz e Geraldo Rodrigues de Souza despejam sobre o posição inimiga os carregadores de suas armas, fazendo a metralhadora alemã calar-se, nessa ocasião são mortos por outros soldados alemães.

Os alemães que tanta dureza e crueldade demostraram durante a guerra, reconheceram naquele trio indômito tamanha valentia e insistente vontade em derrotar o inimigo, que lhes deram uma sepultura rasa , encimada por uma tabuleta com o seguintes dizeres: DREI BRASILIANISHE HELDEN; em Português : TRÊS HEROIS BRASILEIROS.



"Avancem camaradas"

"Soldado JOÃO PEÇANHA DE CARVALHO - 1º RI, natural de Minas Gerais.Em 12/12/1944:

A citação do Soldado Peçanha tem, no aspecto, duplo valor; estimulo e consagração . Era um soldado apenas, mas brasileiro acima de tudo: tinha o pensamento menos voltado para si do que para a glória de sua terra. A doze de dezembro ultimo, atingido mortalmente por bala inimiga, expirava nos braços de seu comandante, gritando ainda a seus companheiros vizinhos: " AVACEM CAMARADAS" . Era um herói. É um exemplo notável. Reverenciemos o soldado Peçanha e respeitemos sua memória" .


" Homem de meu grupo não fica ferido, esperando socorro!"

Terceiro Sargento JOSÉ CARLOS DA SILVA - 1º RI, natural de Minas Gerais.
Em 12/12/1944:

Seu pelotão, por ordem superior, se retraia no ataque realizado contra as posições inimigas em Monte Castelo, em 12/12/1944. O Sgt. JOSÉ CARLOS, voltou a posição que havia antes conquistado, para resgatar um companheiro que lá jazia ferido, dizendo: " Homem de meu grupo não fica ferido, esperando socorro!" neste mesmo instante foi ferido mortalmente atingido por bala inimiga, ficando ali seu cadáver por dois dias. É um exemplo que, pela sua pureza, pela sua própria elevação, dispensa comentário".


Liderança do Cap. Bueno

Capitão João Tarcisio Bueno - do 11º RI, natural do Mato Grosso:

No ataque a Monte Castelo, em doze de dezembro ultimo, o Cap. Bueno comandava a 1ª Cia. do 11º RI. Inicialmente marchava em seu lugar próprio, à frente do segundo escalão. Quando se juntaram fogos inimigos sobre a sua Cia. esta entrou numa fase critica. Sem perda de tempo Cap. Bueno tomou a decisão de passar à frente e pessoalmente impulsionar sua tropa, transmitindo-lhe um reflexo novo de entusiasmo. Ao atingir seu objetivo, agora combatendo com granadas de mão, foi gravemente ferido, tão perto das linhas inimigas que permaneceu no local por mais de vinte e quatro horas. O Capitão João Tarcisio Bueno é um raros exemplos de coragem, dignidade, compreensão exata do papel de chefe, tenacidade, todas essas qualidades que fortalecem o ânimo da tropa brasileira e a torna capaz de ações de relevo".


Patrulha do Sargento Onofre

Foi esta uma das primeiras patrulhas lançadas pela 1ª DIE depois de seu deslocamento para o vale do Rio Reno. Embora não esteja compreendida dentro do período que examinamos, decidimos relatá-la, tal é a beleza da cena e a riqueza dos ensinamentos. Comandou-a o 3º Sargento Onofre Ribeiro de Aguiar, da 5ª Cia do 6º RI, que nessa época ocupava posições na região de Torrre di Nerone. Era ele homem disposto e corajoso, consagrado como herói, mercê das suas façanhas anteriores, porém pouco instruído. Seu fuzileiro atirador, soldado Marcílio, era, entretanto, muito inteligente, e também corajoso como ele. Os demais não desmereciam os primeiros, formando um conjunto harmonioso e eficiente. Por volta das dez horas da manhã de 8 de novembro, partiu a patrulha para o objetivo, tendo à testa , o Sargento Onofre. Depois de algum tempo de progressão pela frente da 6ª Cia, deparou-se com uma resistência inimiga, situada a 500m a NE de Torre de Nerone. Tal foi a maneira sutil e habilidosa como progrediu , que não se deixou perceber nem pelos alemães, nem pelas próprias subunidades que se encontravam em posição na região. Ao aproximar-se da referida resistência, o próprio Sargento Onofre verificou que, no seu interior, havia dois homens juntos a uma metralhadora. Sem vacilações, determinou que o atirador ocupasse posições a fim de apoiá-los, enquanto ele, pessoalmente, acompanhado de alguns patrulheiros, iria aprisionar a guarnição alemã com suas armas e bagagens. Ato contínuo, avançaram sorrateiramente ao encontro do inimigo, apanhando de surpresa os dois contemplativos alemães. Ao retraírem-se com os dois prisioneiros, o inimigo, alertado, procurou detê-los. Todavia, o fuzileiro atirador, atento, respondeu prontamente ao fogo contrário, frustrando-lhe a tentativa. Surpresos com a troca de tiros à frente da posição, os observatórios da artilharia e dos morteiros, inclusive o de um Grupo de Artilharia inglês, instalado nas imediações, fizeram desencadear os seus fogos em apoio à patrulha.

“A CADELA DE BERSEN”

Irma Grese (Wrechen, 7 de outubro de 1923 — Hameln, 13 de dezembro de 1945) foi uma supervisora de prisioneiros nos campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, Bergen-Belsen e Ravensbruck, durante a Segunda Guerra Mundial. Apelidada de "A Cadela de Belsen" pelos prisioneiros deste campo por seu comportamento sádico e perverso, foi uma das mais cruéis e notórias criminosas de guerra nazistas, executada na forca pelos Aliados ao fim do conflito.

Filha de um leiteiro filiado ao Partido dos Trabalhadores Alemães Nacional-Socialistas e de u'a mãe suicida, Irma deixou a escola aos quinze anos de idade, devido ao pouco empenho aos estudos e a seus interesses fanáticos em participar da Bund Deutscher Mädel (Liga da Juventude Feminina Alemã), que seu pai não aprovava. Entre outras atividades, trabalhou dois anos num sanatório da SS e tentou, sem sucesso, se formar como enfermeira.


Irma foi um dos principais réus no julgamento de criminosos de guerra de Belsen, realizado entre setembro e dezembro de 1945. Sobreviventes dos campos testemunharam contra ela, acusando-a de assassinatos e torturas. Sempre usando pesadas botas, chicote e um coldre com pistola, entre outros atos Irma era conhecida por jogar cachorros em cima dos presos para devorá-los, assassinar internos a tiros a sangue frio, torturas em crianças, abusos sexuais e surras sádicas com chicote até a morte. Em seu alojamento após a captura do campo, foram encontrados abajures com as cúpulas feitas de pele humana, de tres prisioneiros judeus assassinados e escalpelados por ela.

Condenada à forca - aos 22 anos a mais jovem condenada à morte sob leis britânicas no século XX - foi executada na prisão de Hameln, Alemanha, em 13 de dezembro de 1945 e suas últimas palavras ao carrasco foram: "Schnell!" (Rápido!).
Irma Grese na Prisão de Celle

A Sentença

No 54º dia do julgamento foi pronunciada a sentença do tribunal. Os acusados tiveram que ficar em grupos nos degraus da segunda e terceira bancada. Irma Grese foi conduzida junto a Elisabeth Volkenrath e Johanna Bormann. Elas foram consideradas culpada em ambas as cortes. Dos acusados, foram declarados culpados 8 dos homens e 3 mulheres, sentenciados a morte e outros 19 a vários termos de encarceramento. Foram passadas penas de morte para oito dos homens, que receberam a seguinte sentença:

O PRESIDENTE - "Nº. 1 Kramer, 2 Klein, 3 Weingartner, 5 Hoessler, 16 Francioh, 22 Pichen, 25 Stofel, 27 Dorr. As sentenças deste Tribunal para cada um de vocês de quem eu nomeei há pouco é que vocês sofrerão morte por enforcamento."

Semelhantemente três mulheres receberam a penalidade máxima, com a seguinte sentença:

O PRESIDENTE - "Nº 6 Bormann, 7 Volkenrath, 9 Grese. A sentença deste tribunal é que vocês sofrerão morte por enforcamento."

Elizabeth Völkenrath, em lágrimas, olhava longinguamente para o alto, com a respiração pesada; Johanna Bormann mergulhou em sí mesma; mas Irma Grese permanceu com o rosto invariável e principiou ir embora. Mulheres da polícia militar conduziram as três mulheres para fora." Ela mostrou pouca emoção do início ao fim quando a sentença de morte foi traduzida para o alemão como “Tode durch den Strang, literalmente, morte pela corda.

Quanto à “cadela de Bersen”, suas últimas palavras foram: "Schnell!" (Rápido!).




Muitos dos sobreviventes de Bergen Belsen testemunharam contra Irma, que rejeitou a culpa contra várias acusações. Eles forneceram extensos detalhes de assassinatos, torturas, crueldades e excessos sexuais empregados por Irma Grese durante seus anos em Auschwitz e Bergen-Belsen. Sobreviventes de Auschwitz testemunharam que ela usava habitualmente botas, carregava um chicote e uma pistola e que estava sempre acompanhada por um cão feroz. Declararam que seus atos eram de puro sadismo e que tinha satisfação sexual com atos de crueldade, batendo em prisioneiras com seu chicote de equitação e usando prisioneiros para satisfazer suas inclinações bissexuais sádicas. Apesar de tais afirmações, sobre seus "excessos sexuais", publicadas em livros, posteriores a guerra, tais fatos nunca foram realmente comprovados, pois eram declarações isoladas, relatadas principalmente por Olga Lengyel e Gisela Perl, e não de conhecimento geral. Falou-se que ela usava métodos físicos e emocionais para torturar os internos dos campos e que batia em prisioneiras até a morte e atirava em outras a sangue frio. Afirmou-se que tinha sido encontrado em sua barraca, em Birkenau, um abajour, que ela mandou fazer, com a pele de três prisioneiras, porém, tal abajour nunca foi visto ou foi encontrado qualquer vestígio de sua existência. As acusações de assassinato foram feitas em depoimentos juramentados, mas nenhuma delas foram confirmadas, pois não foram citados nomes das vítimas. As mais sérias acusações contra ela eram de que ela estava presente quando os prisioneiros eram selecionados para a câmara de gás, em Birkenau, e que ela tinha participado em forçar as mulheres a fazer fila para a inspeção do Dr. Mengele. Ela admitiu em seu julgamento chicotear prisioneiros e também bater com uma vara, apesar de saber que ambas as práticas eram contrárias as regras do campo. Negou que tivesse um cão, que tivesse espancado até a morte ou atirado em algum prisioneiro. Negou ter selecionado prisioneiros para as câmaras de gás, embora estivesse presente na formação das filas e, fato importante, é que somente os médicos tinham autoridade de fazerem seleções. Muitas das acusações, tanto durante o julgamento, através de depoimentos juramentados, ou, até mesmo publicados depois da guerra, nunca foram realmente comprovados e, desta forma criou-se um mito de beleza e crueldade, hoje conhecida como a "Bela Besta". Entretando, questionada, durante o julgamento, se era culpada ou não, disse: “ Sem culpa."

Irma Grese e Josef Kramer

sexta-feira, 25 de março de 2011

POR QUE SOU JUDEU?

Por que sou Judeu?

Não é por acreditar que o judaísmo contenha tudo o que existe na história humana. Judeus não escreveram os sonetos de Shakespeare ou os quartetos de Beethoven. Não presenteamos o mundo com a serena beleza de um jardim japonês ou com a arquitetura da Grécia antiga. Admiro as tradições que lhes deram origem. Aval zé he-lanu. Mas isto é nosso.

Não sou judeu em razão do anti-semitismo ou para evitar dar a Hitler uma vitória póstuma. O que me acontece não define quem sou: O nosso é um povo da fé, não do destino.

Não sou judeu por pensar que somos melhores, mais inteligentes, virtuosos, criativos, generosos e bem sucedidos que os outros. A diferença não está nos judeus, mas, sim, no judaísmo; não no que somos, mas no que somos convocados a ser.

Sou judeu porque filho do meu povo ouvi o chamado para adicionar meu capitulo a esta história não finalizada. Eu sou uma etapa nesta jornada, um elo de ligação entre as gerações. Os sonhos dos meus ancestrais vivem em mim e sou guardião de sua confiança, agora e no futuro.

Sou judeu porque nossos ancestrais foram os primeiros a ver que o mundo tem um propósito moral, que a realidade não é uma guerra incessante entre os elementos para que sejam idolatrados como deuses, e nem que a história é uma batalha na qual o mais forte tem sempre razão e que o poder deve ser satisfeito.

A tradição judaica moldou a moral de civilização ocidental, ensinando pela primeira vez que a vida humana é sagrada, que um ser humano nunca pode ser sacrificado em nome das massas e que, ricos e pobres, grandes e pequenos, todos são iguais perante D-us.

Sou judeu porque sou herdeiro moral daqueles que estiveram presentes ao pé do Monte Sinai e se comprometeram a viver segundo estas verdades, tornando-se um reino de sacerdotes e uma nação sagrada.

Sou o descendente de incontáveis gerações de ancestrais que, embora dolorosamente testados e submetidos a amarga provações, permaneceram fiéis aquele pacto quando podiam tão facilmente ter desertado.

Sou judeu em virtude do Shabat, a maior instituição religiosa do mundo, um tempo no qual não há manipulação da natureza ou de nossos companheiros humanos, onde nos reunimos em liberdade e igualdade para criar, a cada semana, uma antecipação da era messiânica.

Sou judeu porque nossa nação, mesmo em tempos de imensa pobreza, nunca desistiu de seu compromisso de ajudar necessitados, de resgatar judeus de outras terras ou de lutar por justiça em prol do oprimido, fazendo estas coisas sem esperar congratulações, mas porque são mitzvot, porque um judeu não poderia fazer menos.

Sou judeu porque amo a Torá, e sei que D-us é encontrado não nas forças da natureza, mas nos significados morais, nas palavras, textos, ensinamentos e mandamentos, e porque os judeus, mesmo quando tudo o mais lhe faltou, jamais deixou de valorizar a educação como tarefa sagrada, dotando os indivíduos de dignidade e profundidade.

Sou judeu em razão da fé apaixonada que o nosso povo nutre pela liberdade, sustentando que cada um de nós é agente moral e que nisto repousa nossa dignidade única enquanto seres humanos e, também, porque o judaísmo nunca permitiu que seus ideais se tornassem inatingíveis, mas em vez disso, traduziu-os em atos que chamamos de mitzvot, e em um caminho ao qual chamamos Halachá, trazendo assim o céu à terra.

Eu simplesmente tenho orgulho de ser judeu.

Tenho orgulho de ser parte de um povo que, apesar dos traumas e cicatrizes, nunca perdeu seu humor ou sua fé, sua habilidade de rir dos problemas à sua frente e ainda acreditar na redenção final; um povo que viu a história humana como uma jornada e nunca deixou de prosseguir e procurar.

Tenho orgulho de ser parte de uma era em que meu povo, devastado pelo mais hediondo crime já cometido contra um povo, respondeu revivendo sua terra, re-cobrando sua soberania, resgatando judeus ameaçados em todo o mundo, reconstruindo Jerusalém e provando-se tão corajoso na busca pela paz como na defesa em tempos de guerra.

Eu me orgulho do fato de nossos ancestrais sempre terem se recusado a aceitar acomodações prematuras e de que, quando perguntados se "O Messias já chegou?" sempre responderam "Ainda não".

Tenho orgulho de pertencer a Israel cujo povo significa "aquele que enfrenta a D-us e ao homem e prevalece". Porque, apesar de amarmos a humanidade, nunca cessamos de lutar com ela, desafiando os ídolos de todas as eras. E apesar de nosso amor eterno por D-us, nunca deixamos de questioná- Lo - e nem ELE a nós.

* Texto extraído do livro  "Uma Letra da Torá  do Rabino Jonathan Sacks. Reproduzido aqui com autorização do representante do autor.

sábado, 19 de março de 2011

Depoimento de alguns sobreviventes dos campos de extermínio nazistas

Motke Zaidl e Itzhak Dugin


"No momento em que se abriu a última vala, reconheci toda a minha família. Mamãe e minhas irmãs. Três irmãs com seus filhos. Elas estavam todas lá. (...) Quanto mais se cavava para o fundo, mais os corpos estavam achatados, era praticamente uma posta achatada. Quando se tentava segurar o corpo, ele esfarelava completamente, era impossível pegá-lo. Quando nos forçaram a abrir as valas, proibiram-nos de utilizar instrumentos, disseram-nos: 'É preciso que se habituem a isso'; trabalhem com as mãos (...) Os alemães haviam até acrescentado que era proibido empregar a palavra 'morte' ou a palavra 'vítima', porque aquilo era exatamente como um cepo de madeira, era merda, aquilo não tinha absolutamente nenhuma importância, não era nada."



— Prisioneiro de Treblinka

"No interior do vagão, ficavam tão apertados que talvez nem sentissem frio. E no verão sufocavam, porque fazia muito, muito calor. Então os prisioneiros tinham muita sede, tentavam sair. (...) E algumas vezes faziam de propósito, muito simplesmente saiam, sentavam-se no chão, e os guardas chegavam e lhes davam um tiro na cabeça. (...) Uma vez os judeus pediram água, um ucraniano que passava proibiu de dar água. Então a prisioneira que pedia água jogou-lhe na cabeça a panela que segurava, então o ucraniano recuou um pouco, dez metros talvez, e começou a atirar no vagão, a esmo. Então aqui ficou cheio de sangue e de miolos."



Franz Suchomel, SS Unterscharführer

"Treblinka nessa época funcionava a plena força. Estávamos então começando a esvaziar o gueto de Varsóvia. Em dois dias, chegaram cerca de três trens (...) Chegaram a Treblinka cinco mil judeus, e entre eles havia três mil mortos (...) Eles haviam aberto as veias, ou estavam mortos, assim... Descarregamos semimortos e semiloucos. (...) Nós os amontoamos aqui, aqui e aqui. Era milhares de humanos empilhados uns sobre os outros. Empilhados como madeira. Mas também outros judeus, vivos, esperavam ali há dois dias, pois as pequenas câmaras de gás já não eram suficientes. Funcionavam dia e noite, naquele tempo.



— Simon Srebnik

"Lembro-me de uma vez, eles ainda viviam, os fornos já estavam cheios, e eles ficaram no chão. Todos se moviam, voltavam a si, aqueles vivos... E quando eles os jogaram aqui nos fornos, todos estavam reanimados: foram queimados vivos (...) Quando vi tudo aquilo, aquilo não me tocou. Só tinha treze anos, e tudo o que havia visto até ali eram mortos, cadáveres. Jamais havia visto nada de diferente. (...) Eu pensava: deve ser assim, é normal, é assim. (...) As pessoas tinham fome. Iam e caiam, caiam... O filho tomava o pão do pai, o pai o pão do filho, todos queriam permanecer vivos (...) Pensava também: 'Se sobreviver, só desejo uma coisa: que me dêem cinco pães. Para comer... Nada mais."



— Filip Müller — sobrevivente das cinco liquidações do "comando especial" de Auschwitz.

"O gás, quando começava a agir, propagava-se de baixo para cima. E no pavoroso combate que travava então pois era um combate — a luz era cortada nas câmaras de gás, ficava escuro, não se via nada, e os mais fortes queriam sempre subir mais alto. Sem dúvida sentiam que quanto mais subissem, menos o ar lhes faltava. (...) E ao mesmo tempo quase todos precipitavam-se para a porta. Era psicológico, a porta estava lá... E é por isso que as crianças e os mais fracos, os velhos, encontravam-se embaixo, e os mais fortes por cima. Nesse combate da morte, o pai já não sabia que seu filho estava lá, debaixo dele."

A tragédia na aldeia de Khatyn

"O Homem Invicto"

Você não vai encontrar esta pequena aldeia bielorrusso em nenhum dos hoje mais detalhado mapa geográfico. Foi destruída pelos fascistas alemães na primavera de 1943.

O massacre ocorreu em 22 de março de 1943. Depois que os homens da SS e policiais chegaram na aldeia, eles a cercaram. Os habitantes da aldeia não sabiam nada sobre o fato que ocorreu pela manhã, onde um comboio motorizado fascista foi atacado por fogo em uma estrada a apenas 6 km de Khatyn. Como resultado, um oficial alemão foi morto. Os habitantes de Khatyn eram inocentes, no entanto a sua sentença de morte já tinha sido pronunciada.

Todas elas - jovens e velhos, mulheres e crianças - foram expulsos de suas casas em direção a um galpão. Os fascistas despertaram os doentes de suas camas com coronhadas. Eles não tinham misericórdia, nem para os velhos, nem para as mulheres com bebês nos braços. A família de Joseph e Anna Baranovsky com seus 9 filhos estava entre eles. Assim, foram Alex e Alexandra Novitsky com os seus 7 filhos. Da mesma forma, houve 7 filhos na família de Kazimir e Iotko Elena, e o menino mais novo tinha apenas 1 ano de idade. Vera Yaskevich também foi levada para o galpão e com ela o filho Tolik, de sete semanas de idade. A pequena Lena Yaskevich primeiro tentou se esconder no quintal, mas então decidiu tomar refúgio seguro na floresta. Balas fascistas não foram capazes de apanhar a menina correndo, portanto, um dos fascistas correu atrás dela e depois de ter ultrapassado a menina, a matou diante dos olhos do pai, que estava enlouquecido de terror. Entre os que pereceram, havia também duas pessoas de outras vilas que por acaso se encontravam em Khatyn no momento. Estes foram Anton Kunkevich da vila de Yurkovichi e Slonskaja Kristina da vila de Kameno.

Nenhum dos adultos conseguiram escapar. Apenas três crianças - Volodia Yaskevich, sua irmã Sonia e outro rapaz com o nome Sasha Zhelobkovich - foram capazes de se esconder dos fascistas. Quando todas as pessoas finalmente estavam no barracão, a porta foi trancada e os nazistas cobriram o celeiro com palha, encharcaram com gasolina e atearam fogo. Em um momento o galpão de madeira estava em chamas. As crianças choravam e sufocavam na fumaça. Os adultos estavam tentando resgatá-los. As portas do galpão não suportaram a força e a pressão das dezenas de pessoas e por isso caiu. Pessoas horrorizadas atingidas pelo fogo e com suas roupas queimando tentaram escapar das chamas, mas os nazistas calmamente as fuzilavam a tiro de rifles e metralhadoras. 149 pessoas, incluindo 75 crianças menores de idade foram queimadas vivas. O bebê mais novo tinha apenas 7 semanas de idade. A vila foi então saqueada e queimada.

As meninas de duas famílias diferentes - Maria Fedorovich e Yulia Klimovich - foram salvas por milagre. Elas milagrosamente conseguiram fugir do galpão e rastejar para a floresta. Carbonizadas, meio vivas, elas foram encontrados pelos habitantes da aldeia de Khvorosteny, do conselho da aldeia Kameno. Infelizmente, esta aldeia também foi posteriormente queimada e as duas meninas foram mortas.

Na aldeia de Khatyn apenas duas crianças sobreviveram. Eles são Victor Zhelobkovich de sete anos de idade e Anton Baranovsky de 12 anos, que estavam no celeiro. Uma jovem de nome Anna Zhelobkovich também estava no galpão. Juntamente com algumas das outras pessoas horrorizadas com suas roupas queimando, ela tentou sair do galpão, que estava em chamas. Ela estava segurando firmemente a mão de seu filho de Vitia. Um momento depois, ela foi fatalmente ferida e como ela foi caindo no chão, cobriu o filho com seu corpo. A criança foi ferido no braço. Ele se deitou no chão sob o cadáver de sua mãe até os nazistas finalmente deixarem a aldeia. Quando Anton Baranovsky fugiu do celeiro, ele foi ferido na perna por uma tiro. E assim os fascistas o confundiram com um menino morto.

Habitantes de aldeias vizinhas pegaram todas as crianças feridas e com queimaduras graves e levaram-as para um orfanato na cidade Pleshinitsy, onde foram criados após a guerra.

O único testemunho de um adulto no massacre Khatyn, é de um ferreiro de 56 anos de idade, Joseph Kaminsky, que também ficou ferido e queimado, mas recuperou a consciência, tarde da noite, quando os fascistas já tinham ido embora. Ele teve de sofrer um duro golpe, no entanto. Entre os cadáveres dos outros moradores, ele encontrou seu filho. Ele foi mortalmente ferido no abdômen e teve queimaduras graves. O menino morreu nos braços de seu pai.

"Joseph Kaminsky"

Esse momento trágico na vida de Joseph Kaminsky é a base da unica escultura do complexo memorial: "O Homem Invicto"

A tragédia da Khatyn não é apenas um episódio ocasional desta guerra. É um dos milhares de fatos, que atestam a existência da política de genocídio em relação à população alvo da Bielorrússia. E os nazistas estavam perseguindo essa política durante todos esses anos de ocupação alemã. Centenas de catástrofes semelhantes ocorreram nos três anos (1941 - 1944) na ocupação do solo bielo-russa.



Traduzido: Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte:

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Rabi Moshé BEN NACHMAN (NACHMÂNIDES) - Barcelona, 4955-5030 (1195-1270)

Carta endereçada por Rabi Moshé ben Nachman (Ramban) a seu filho, para fortificar-lhe a humildade.  O autor aconselha seu filho a reler esta carta todas as semanas e ensiná-la a seus filhos, para assim se acostumarem, desde tenra idade, a temer a D-us e lhe assegura que no dia que ler esta carta, todos os seus pedidos serão atendidos.




"escuta, meu filho, as lições de teu pai e não rejeites o ensino de tua mãe".
       
Acostuma-te a dirigir-te a qualquer pessoa, sempre calmamente. Assim fugirás da ira, defeito grave que conduz ao pecado. Nossos sábios nos disseram: "Aquele que se irrita, todas as formas de inferno sobre ele se abatem", como foi dito no Eclesiastes: "Afasta a cólera de teu coração e dissipa todo mal de tua pessoa".

Quando tiveres dissipado a cólera de teu coração, deverás cultivar a humildade, que é a melhor de todas as virtudes, como está escrito: "A humildade conduz à crença em D-us. 

Porque sendo humilde, te interrogarás sem cessar sobre tua origem, sobre teu caminho e terás consciência da fragilidade de tua vida e, também, após a morte.

Te lembrarás que após a vida terrestre, deverás prestar contas diante do Rei dos reis, Bendito seja Ele...

Assim que meditares sobre estas verdades, temerás teu Criador e serás protegido de erros. Graças a estas virtudes, aceitarás e serás feliz com teu destino.

A humildade te ensinará a respeitar todas as pessoas, a considerá-las, a afastar-te do erro. A Graça Divina habitará em ti e Seu Esplendor te acompanhará através do mundo vindouro.

E agora, meu filho, saiba e reflita que aquele que sente orgulho em seu coração sobre seus semelhantes, está se rebelando contra o Rei Divino, pois se vangloria com as vestes do Rei, conforme está escrito no Salmo: "D-us é Rei, Sua veste é a Majestade".
De que o homem poderia orgulhar-se?
- Da riqueza? É D-us que herda e enriquece.
- Da honra? "A riqueza e a honra estão diante de ti".

E como irás orgulhar-te com a honra do teu Criador?
- Da sabedoria? Ele, Bendito Seja, retira a palavra dos fiéis e apreende o conhecimento dos sábios.

Assim, tudo é igual perante o Senhor. Na sua fúria ele rebaixa os orgulhosos e conforma Sua vontade, eleva os humildes. Assim sendo, rebaixa-te e D-us te elevará.

Por isso eu te explicarei como conduzir-te na virtude da humildade:
Expressa-te sempre calmamente, a cabeça encurvada, teus olhos fixando a terra e teu coração para o céu. Abaixa teu olhar perante teu interlocutor e considera todo homem como teu superior: se for um sábio ou um rico, tu deverás respeitá-lo. Se ele for pobre e tu mais rico ou mais sábio que ele, pensa em teu coração que ele é mais inocente e tu mais culpado. Se ele peca é por inocência, enquanto que tu pecas propositalmente.

Em todas as circunstâncias, em todas as tuas palavras, ações e pensamentos, pensa que estás diante do Todo Poderoso e Sua Graça Divina sobre ti, pois Sua Glória preenche o mundo.

Exprime-te com temor e respeito, como o escravo perante seu mestre. Envergonha-te de qualquer homem. Se uma pessoa te interpelar, não respondas em voz alta, mas calmamente como quem está diante de seu mestre.

Estuda sempre a Torá visando cumprí-la. Ao deixar o livro, procura no estudo aquilo que possas aplicar imediatamente. Examina teus atos de manhã e à noite e todos os dias da tua vida serão de introspecção.

Afasta de ti todas as preocupações mundanas no momento da prece. Prepara teu coração diante do Criador e purifica teus pensamentos. Pensa nas palavras antes de pronunciá-las.
Este será teu comportamento todos os dias da tua vida e não pecarás. Assim, tuas palavras, teus atos e teus pensamentos serão corretos. Tua prece será pura, bem dirigida e aceita perante o Rei, Bendito Seja Ele, conforme está escrito:  "Tu preparas seus corações, Tu os escutas"
                                                                                   ***
Lê esta carta uma vez por semana, nunca menos, afim de cumprí-la e andar no caminho do Todo Poderoso.  Assim, triunfarás em todos os teus caminhos e serás merecedor do Mundo Vindouro reservado aos justos. Todos os dias que leres esta carta, tua prece será atendida pelos Céus quando pedires por algo, para sempre. Amén

Memórias De Uma Sobrevivente de Auschwitz



Desde que retornei de Auschwitz, em maio de 1945, senti que tinha que escrever o que aconteceu com minha família e comigo – todas as minhas experiências. Só a lembrança daquilo traz-me dores e lágrimas. Tentando permanecer sã, fui adiando isto. Hoje, se passaram mais de 50 anos desde o genocídio planejado por Hitler contra nosso povo. Sinto-me forçada a registrar da forma que me lembro. O tempo está acabando. Tenho 67 anos. Meus filhos, a quem tentei educar da forma mais normal possível, e com quem tentei não falar sobre o passado, hoje são homens crescidos. E têm o direito de conhecer a história de sua família. Portanto, dedico minhas memórias a meus maravilhosos filhos e netos.
Veronika Schwartz, Montreal, 1994.

Nasci em seis de junho de 1927, na Hungria, em uma pequena cidade chamada Kisvárda, no condado de Szabolcs. A população total em 1941 era por volta de 15.000. A população judia era de cerca de 4.000. Naqueles tempos, os bebes nasciam em casa, com o auxílio de uma parteira e, provavelmente, de alguns membros da família. O meu tio Mikós Ösztreicher me disse que minha mãe tinha ficado grávida sete vezes; quatro permaneciam vivos.

O nome de meu pai era Schwartz Mór. O nome de minha mãe era Ösztreicher Irén. Meu irmão, Zoltán, era o mais velho, nascido em 19 de novembro de 1923. Minha irmã, Klára, era dois anos mais velha do que eu. Minha irmã, Éva, era dois anos mais jovem que eu.

Meus pais tinham um armazém em Fö utza, que significa a rua principal. Vendiam móveis, material de jardinagem, sapatos e roupas prontas. Trabalhavam muito duro. A vida não era fácil. Tanto quanto posso me lembrar, senti pena de minha mãe. Ambos os seus joelhos eram machucados, mas nunca desejou falar sobre uma operação, temendo que não fosse bem sucedida e que pudesse terminar pior do que antes. Só continuava a colocar bandagens nos pés o dia todo, tentando fazer o melhor para atender os fregueses e, naturalmente, sua família. Ela cozinhava antes de ir para a loja. (...)

Não me lembro de ter tido brinquedos, como uma bicicleta ou bonecas, mas não me lembro de ter sentido falta deles também. Éramos uma família. A alegria era ver minha mãe segurando as mãos de meu pai, sorrindo. Nunca estávamos entediados. Sempre havia coisas a fazer: regar flores, limpar o jardim, jogar bola ou a escola (eu era a “professora” e reunia as crianças mais jovens e brincava de escola com elas), trazer lenha para a casa, alimentar o cão, conversar com meus amigos na rua ou com nossos inquilinos ou vizinhos. Gostavam muito de nós. Estávamos em casa. Apesar de modesta, era nosso castelo. Como jovens crianças, tudo que precisávamos era de um monte de areia para ficarmos ocupados e felizes. Amávamos também nosso país. Lembro-me que quando soldados Húngaros a cavalo passavam pela rua próxima, corria para juntar um buquê de flores de nosso quintal e corria toda distância para dar-lhes flores. (...)

Tudo mudou no ginásio. Senti o anti-semitismo. Não me lembro do nome de minha professora, mas chamava as garotas gentias pelos seus nomes e as garotas judias pelo nome de suas famílias. Não podia me concentrar, isso me preocupava muito. Comecei a sentir o ódio. Isto foi em 1939 e tinha somente doze anos. Minha avó costumava dizer como era horrível para o povo judeu. Como, durante uma rebelião ou revolução, sempre colocavam a culpa nos judeus. Eu só sentia pena por terem sofrido tanto.

O ódio somente aumentava, as coisas não melhoravam. Um dia, minha avó veio a nossa casa gritando que um dos seus vizinhos tinha ameaçado matar meu tio Miklós. Eu sabia onde meu tio estava, corri todo o caminho, cinco ou seis quilômetros, para achá-lo em uma vila próxima, chamada Ajak. Ele se escondeu, mas para o Grande Feriado foi à sinagoga. Os gendarmes (a polícia de elite) estavam procurando por ele e entraram na sinagoga. Meu tio escapou por uma janela, e a Sra. Rooz, que era uma parente distante, escondeu-o em sua casa. Quando as coisas acalmaram, conseguiu embarcar em um navio e escondeu-se no carvão. Chegou ao Canada em 1939 como um clandestino, quase morto. Nunca soube porque os gendarmes queriam prendê-lo ou porque o homem (seu nome era Orgován), que supostamente era seu amigo, queria matá-lo. Tudo que sabia era que meu tio vendia terras naquele tempo. Talvez algum negócio de terras não o tenha agradado. Toda nossa família ficou contente quando recebemos uma carta do Canadá de nosso tio.

Parecia que, para a população judia, a vida estava ficando bem apavorante. Meu pai tinha que fazer trabalhos forçados. Por sorte, foi desqualificado devido a uma hérnia. Meus pais decidiram que deveríamos aprender uma profissão ao invés de continuarmos nossa educação. Pagaram a um relojoeiro bem conhecido para ensinar meu irmão a consertar relógios. Minha irmã mais velha estudou para ser cabeleireira, também de forma privada, o que era bem caro. Meu irmão e irmã terminaram seus estudos. Meus pais compraram uma bicicleta para minha irmã. Tinha fregueses particulares e pedalava para suas casas. Era muito popular, algumas pessoas gostavam muito dela. Encontraram uma costureira para me ensinar a costurar. Tentei, mas além de aprender uns poucos pontos diferentes, nunca consegui terminar um vestido.

Enquanto isso, meus pais sabiam que a vida para nós estava piorando. O anti-semitismo era muito pavoroso. Sabendo que, acontecesse o que acontecesse, precisaríamos de comida, compraram várias vacas, um cavalo, cabras, gansos, patos e galinhas. Neste ponto não fazia muitas costuras, ajudava muito com os animais. Adorava andar a cavalo. Ordenhava as vacas e alimentava o resto dos animais. Meu avô, Lajos, vinha todos os dias para ajudar e tínhamos alguns empregados.

A situação política estava piorando, especialmente para nós, o povo judeu. Minha mãe fazia visitas mais freqüentes ao Rabino, para rezar por nossa segurança e bem-estar e para termos paz. O Rabino nos abençoava, dizia-nos para rezar, e para ter fé em D-us [nota: judeus ortodoxos não escrevem o nome do Senhor de forma alguma, usando este tipo de recurso]. Sempre a acompanhava nessas visitas.

Manter o negócio aberto não era uma tarefa fácil. Mas era difícil conseguir mercadorias têxteis como seda, linho, algodão e flanela. Minha mãe nunca desistiu. Viajava para Budapeste para encontrar seus fornecedores e tinha confiança que não voltaria de mãos abanando. O nome da firma de negócios ao atacado era Mandel Gustav e Sandor. Ela não podia deixar de falar dessas pessoas, como tinham sido boas com ela. Por ter os joelhos doentes, desejavam ajudá-la de forma especial. Vendiam-lhe mercadorias têxteis. Foi convidada para a casa deles. Um dia nos disse, “vi um belo banheiro de azulejos, isto é o que teremos um dia. Vamos instalar encanamento em nossa casa”. Nunca abandonamos a esperança. De fato, tínhamos eletricidade instalada e um novo piso de cerâmica na cozinha.

A despeito de nossas esperanças e preces, o ódio parecia piorar. Acender velas nas noites de sexta-feira era arriscado. Nossas janelas foram quebradas. Pedras foram atiradas na casa de nossos avôs. Meu pai entaipou algumas de suas janelas. Os bandidos das cruzes flechadas ficavam nos insultando. Um homem jovem veio a nossa loja como um animal selvagem, xingando, pegando caixas de sapatos e jogando-as na rua. Minha mãe implorou-lhe para que levasse o que queria, mas o ódio era muito profundo. Tremíamos de medo.

Meu irmão foi convocado para o Exército. Meus pais não puderam vê-lo ir. Minha mãe fez uma jarra de café muito forte e ele bebeu tudo, então chamaram o doutor da família e disseram que ele não estava bem. O doutor ouviu o seu coração e escreveu uma carta dizendo que era incapaz de ir para o serviço, devido a uma doença cardíaca. (...)

Leis e regras cruéis foram-nos impostas dia após dia. Era muito doloroso perceber que tínhamos sido extremamente otimistas por muito tempo. Era chocante quando visitava um dos nossos inquilinos, a família Posner, de origem russa. Tinham uma empregada, uma jovem cigana. Gostava de falar com ela, era sempre alegre e feliz. Perguntei, “Onde está ela?”. Disseram-me que tinha sido levada embora a força e afogada com muitos outros. “Como é possível matar pessoas inocentes. Devem ter sido enviados para trabalhar em outro local”, disse à Sra. Posner. Ela me disse suavemente, “queria que você estivesse certa”.

Não havia mais razão para ser otimista. Éramos proibidos de ouvir o rádio. Quando caminhava pela rua e tentava ouvir as notícias, fui apedrejada. Minha mãe adorava ir ao banho ritual (mikvah). Era um dos prazeres da vida dela, mas foi proibido.

Ouvia um monte de sussurros. Ouvi que falavam de uma rota de fuga, mas que não seríamos capazes de usá-la. Era muito tarde. Os judeus não podiam viajar. Minha mãe nunca concordaria com uma rota de fuga, a menos que toda a família pudesse escapar junta. Isto era impossível. Levamos para casa um monte de mercadorias (móveis, tecidos) de nossa loja. Cavamos buracos nos telheiros e enterramos os tecidos e roupas em caixas de madeira.

Sempre que meu pai ia a sinagoga, voltava para casa com péssimas notícias. Ouviu que um eminente doutor e toda a sua família tinham cometido suicídio. Em 19 de março de 1944, passou a ser compulsório usar uma estrela de David amarela. No mesmo dia, o exército alemão invadiu a Hungria. Além das expectativas dos alemães, os húngaros cooperaram integralmente e os receberam de braços abertos. Sentíamo-nos em uma armadilha.

Lembro-me do Sr. Fekete, que vinha a nossa casa ler o medidor de eletricidade. Quando entrou, olhou para todos nós. Começou a caminhar em direção de meus pais. Ele gostaria de falar-lhes, mas foi sobrepujado pelas emoções e começou a chorar. Só ficou chorando e saiu. Sabia que algo terrível iria acontecer. Certo como um relógio, poucos dias depois, um jovem veio a nossa casa e a casa de meus avós. Este jovem vivia em nossa rua. Minha avó e a avó dele eram amigas uma da outra. Seu nome era Bajor e tinha sido autorizado a inventariar nossos pertences. Não levou muito tempo para descobrir que teríamos que deixar nossas casas e ir viver juntos em um gueto, em Kisvárda. Todos tentamos nos consolar o melhor possível. Meus pais acharam que meu irmão deveria se alistar em um campo de trabalho. Talvez tivesse uma chance maior de ficar vivo. Aceitou a sugestão e partiu para se alistar. Foi de quebrar o coração vê-lo partir.

Meus pais deram nosso gado em confiança para as pessoas que usavam nossa propriedade como caminho para chegar à cidade. Mesmo que tivessem prometido tomar cuidado de todos os animais, era duro deixá-los para trás – os filhotes de cabrito que amava; o belo cavalo que adorava cavalgar; as vacas, gansos, patos e galinhas. Minha mãe trabalhou freneticamente preparando uma base de sopa, uma mistura de farinha e óleo ou gordura de galinha. Disse que enquanto pudéssemos conseguir um pouco de água, pelo menos poderíamos fazer uma sopa. Vi quando ela quebrou e começou a chorar. Implorei para que não chorasse. Ela disse: “não choro por mim, choro por todos vocês. Eu os amo muito”. Tentei dizer a que a nossa partida era só temporária. Era ingênua. Sabiam quão irracionais as pessoas ficavam com o ódio, inveja, vingança e poder, e ficaram com muito medo.

Meus pais trabalharam muito duro. Nunca fumaram ou beberam e economizavam cada centavo. O costume era dar a uma filha um dote quando se casava. Eles compravam pedras preciosas, diamantes e outro para nós três, para que quando nos cassássemos tivéssemos condições de começar uma vida nova sozinhas. Meu pai chamou-nos e todos descemos ao porão. Ali removeu alguns tijolos da parede, escondeu as jóias em uma garrafa e consertou a parede. Assim todos sabíamos onde estavam. Escondeu algumas jóias no sótão. Mesmo nossos vizinhos, os Fishers, do outro lado da rua, esconderam algumas jóias em nosso sótão.

Em meados de abril de 1944, fomos levados e aprisionados no gueto em Kisvárda. Fomos levados sob as condições mais cruéis pela gendarmerie Húngara. Todos estávamos apertados em um só quarto – minha avó, meus pais, minha tia Margit, tio Ernö e minhas duas irmãs, Klára e Éva. Abaixo de nosso quarto ficava um porão. Levavam para lá as pessoas para serem interrogadas, para descobrir onde tinham escondido o seu dinheiro e posses. Era sempre o chefe da família. Inicialmente torturaram os muito ricos e, mais tarde, a classe média. Era horrível ouvir os gritos.

Também nos preocupávamos com nosso pai. A comida era muito pouca e meu pai costumava sair escondido às 5 da manhã, antes do nascer do sol. Eu não sabia, mas uma família gentílica dava-lhe ovos, leite e pão. Ele corria um imenso risco para melhorar a qualidade de vida para sua família. As pessoas que lhe davam comida também eram muito especiais, desprendidas, gentis e desejosas de ajudar os necessitados. Era um ato corajoso, podiam entrar em grandes problemas ao ajudar judeus. Boas pessoas como elas nos davam incentivos para continuar tentando o máximo e prosseguir com nossas vidas. Era um esforço conjunto fazer o melhor que podíamos. Ajudávamos uns aos outros, compartilhando as tarefas domésticas. Éramos livres para ir para qualquer lugar dentro do gueto. Andava muito com minhas irmãs e todo mundo na família, conversando com nossos amigos e vizinhos, tentando descobrir novidades políticas. (...)

Mais uma vez, as novas eram pavorosas. Mais uma vez estraçalharam nossas esperanças que a guerra logo terminaria e que voltaríamos para nossos lares e negócios, recomeçando nossas vidas. As pessoas estavam dizendo que os alemães levariam todos para campos de trabalho. O gueto ficou como uma capela funerária. As pessoas choravam abertamente. Todos estavam apavorados. Não fazia sentido que a Alemanha quisesse avós, grávidas, bebês, pessoas doentes e crianças para trabalhar para eles. Na mente de todos havia a pergunta: “o que acontecerá a nós?” Da minha parte, fui educada no respeito a todos, seja qual for a sua religião. Assim era difícil entender a complexidade do ódio humano. Não acreditava que nos levariam para trabalhar. Minha avó, preocupada, perguntou-me: “que tipo de trabalho posso fazer para eles? Sou velha demais para trabalhar”. “Bem”, eu disse, “você pode ajudar na cozinha, descascando batatas, por exemplo ou no hospital, preparando ataduras. Todos podemos trabalhar”. (...)

Minha família e eu fomos levados em 31 de maio de 1944. Oitenta pessoas foram arrebanhadas em cada vagão. Não nos permitiram levar nada, somente as roupas que vestíamos. Havia um balde d’água, as portas fechadas e a jornada em direção a um destino desconhecido começou. Meu pai, minha mãe, minha avó, minhas irmãs, Klára e Éva, a tia Margit, tio Ernö – todos estavam muito quietos, tristes e sem palavras. Tentei muito alegrá-los. Encontrei um pequeno local de onde era possível olhar para fora e ver a paisagem. Pedi a todos para vir e ver. Não importa o quanto tentasse, ninguém se interessou. Minha avó ficava repetindo, “sou velha demais para trabalhar”. Se soubesse o que aconteceria com eles, eu teria passado cada minuto beijando e abraçando-os e fazendo o máximo para não ser separada deles.

Finalmente, o trem chegou em Birkenau, Polônia. As portas abriram. De alguma forma, fui empurrada para fora, de tal forma que me encontrei em pé sozinha e uma longa fila estava se formando atrás de mim. Olhei tudo em volta e podia ver que não havia ninguém de minha amada família. O medo e o pânico me atingiram. Chorei e me atirei ao chão, pensando que não levantaria, a menos que fosse colocada junto com minha família. Não me importava se me fuzilassem. Atrás de mim estavam as duas garotas Freed, de nossa rua, Vár utza. Estavam chorando, mas praticamente me levantaram e imploraram para que ficasse de pé ou seria fuzilada. Disseram que sua mãe estava grávida e não a podiam ver em lugar algum.

A longa fila foi formada e tivemos que começar a marchar. Era cerca de três quilômetros até Auschwitz. No caminho, vimos o arame farpado com a cerca de segurança de alta voltagem. Vimos um monte de pessoas dentro. Era um local medonho. Algumas pessoas caminhavam com longos paus e estavam batendo em outros. As roupas dessas pessoas eram trapos. Não podíamos imaginar o que este local poderia ser. Algumas pessoas diziam que deveria ser um asilo mental. Mas como podiam tratar doentes mentais de forma tão má?

Logo nossa marcha terminou e nos achamos no mesmo lugar – o Campo de concentração de Auschwitz. Este foi o pior dia de toda minha vida. A dor no coração de não saber o que aconteceria com minha família. Onde estavam? Sempre procurava com meus olhos tão longe quanto podia ver, em todas as direções, chegando a imaginar que podia ver meu pai.

As pessoas estavam exaustas mental e fisicamente. Começou a chover e estava frio. Durante todo o dia não recebemos comida, mas tínhamos que ficar na fila e esperar. Finalmente, um oficial SS veio e disse-nos que tentaria conseguir um pouco de chá. Isto não era um conforto para mim. Eu era uma alma perdida.

Mais tarde tivemos que ser desinfetados. Neste lugar, aparavam nossas cabeças. Tínhamos que nos despir. Faziam-nos passar por torturas humilhantes. Nossas roupas foram levadas e tínhamos que nos vestir de uma pilha de trapos. Enquanto andava por aquela área de desinfeção, como um milagre, observei minha prima em primeiro grau do lado paterno, Klein Magda. Ela reparou em mim ao mesmo tempo. Me disse que não tinha ninguém da sua família e que deveríamos tentar ficar juntas. Esperava que pudéssemos fazer isso.

Mais tarde fomos levadas para o C Lager (campo C). Permanecemos fora. Uma kapo (isto é, uma prisioneira feitora, designada para supervisionar um determinado grupo de trabalho de prisioneiras) veio falar conosco. Nos disse o seu nome, Toska. Acredito que fosse uma garota polonesa. Parecia ser muito honesta. Perguntou se tínhamos alguma pergunta. Muitas pessoas fizeram a mesma pergunta, “quando nos reuniremos com os membros de nossas famílias?” Com lágrimas nos olhos, apontou para o crematório. Passou um momento difícil ao falar. Depois de recuperar a compostura, continuou: “como vocês, fui trazida aqui com minha família, mas agora, estou sozinha”. Nos alertou para ficarmos alertas; não seria fácil ficar vivas. Depois disso, fomos arrebanhadas para dentro do barracão. Ali estava outra Kapo; seu nome era Éva. Era malvada. Uma garota judia bem apessoada, se comportava de forma desavergonhada, usando um pau para controlar as pessoas.

Fomos espremidos em uma posição sentada muito apertada para a noite. Em minha miséria, decidi seguir o conselho do Rabino: ter esperança e rezar. A cada noite, recitava preces em hebreu. Sabia-as bem e incluía cada membro de minha família e, naturalmente, Aisnley [o namorado de Vera]. De alguma forma, meu passado religioso deu-me forças. Mas também tinha um sentimento de culpa, “por que eu? Por que estou viva e minha família não?”. Me atormentava.

Antes do alvorecer, fomos acordadas por um alto som de apito. Tínhamos que correr e nos alinhar para inspeção. Duas vezes por semana, tínhamos que marchar nuas para dentro de um barracão, em frente a médicos, Mengele e alguns outros, para a seleção. Se alguém fosse removido da fila, isto significava a morte. Assim, tentávamos parecer o melhor possível.

Recebíamos uma fatia de pão e cerca de uma colher de chá de marmelada na manhã. À tarde, fazíamos um turno para pegar uma panela de comida, que não tinha sabor, muito pouco. Não havia pratos nem talheres. Desta forma, fazíamos uma fila e uma depois da outra bebíamos do mesmo copo. Muitas pessoas, inclusive eu, estavam pegando a doença das gengivas [escorbuto]. À tarde, novamente, tínhamos que ficar em fila por duas horas para sermos contadas. Algumas vezes vi corpos queimados, como carvão, contra a cerca. Era uma visão horrível.

Uma manhã, depois da contagem, deitei no chão. Um soldado SS pisou no meu estômago. A sobrevivência por mais um dia era uma conquista.

Cerca de três ou quatro semanas mais tarde, numa manhã, estávamos entrando em uma fila para termos nossos números de identificação tatuados nos antebraços, quando minha prima Magda foi removida da fila. Mais uma vez me senti perdida. Queria muito ficar com ela, era muito boa comigo. Ajoelhei-me e fui até uma janela, passei por ela e achei Magda. Entrei na fila atrás dela. Não tínhamos idéia do que aconteceria conosco, mas estávamos juntas mais uma vez e isto significava muito para ambas. Havia dezesseis pessoas. Entramos em pequenos vagões puxados por um trator. Depois de viajar por cerca de três horas e meia, chegamos em uma fazenda.

Foi-nos dado abrigo em um telheiro. Dormíamos na palha no chão. Mais tarde, colocaram alguns catres para nós. Quando estava ficando escuro, a porta era fechada e ficávamos trancadas. As 6:00 da manhã as portas abriam de novo. Recebíamos alguma comida e eram levadas por um caminhão até os campos, para trabalhar. Tínhamos que colher trigo e aveia, arrumar em feixes, amarrá-los e colocá-los em pé, como se formando pirâmides. Tínhamos dois supervisores: um homem, que era gentil. Se alguém tivesse dificuldade em fazer o trabalho, tentava ajudar e nunca ficava zangado. A mulher não gostava de nenhum de nós. Ouvi-a dizer ao supervisor que éramos judeus e que não merecíamos nenhuma ajuda. Todos tentamos dar o máximo de nós, este local era definitivamente melhor que Auschwitz. Aos domingos, para o jantar, nos davam purê de batatas com uma fatia de presunto, em um prato normal. Isto significava muito para todos.

Um dia, o proprietário cavalgou até o lugar onde trabalhávamos. Me chamou e outra garota para falar com ele. Nos disse que ao invés de trabalhar nos campos, iríamos trabalhar na cozinha. A outra menina tinha só treze anos. Normalmente eu a via engraxando sapatos. Acabei ajudando às duas empregadas, descascando vegetais, frutas e assim por diante. Era melhor que trabalhar nos campos. Enchia minhas roupas com as cascas das maçãs que descascava. Algumas vezes conseguia esconder algumas cenouras ou pequenas maçãs; eram compartilhadas com todos.

Via a família indo para a igreja nas manhãs de domingo. Lembrava-me de como costumava ir para a sinagoga junto com meus pais, irmão, irmãs e outros membros de minha família. Não tinha inveja deles, mas me magoava muito. A injustiça era tão horrenda. Aqui estava eu, trabalhando como uma escrava. Por quê? Não tinha feito nada de errado. Tinham nascido na fé cristã. Por acaso, eu nascera na fé judaica. Tinham tudo que possuíam. Tudo tinha-nos sido confiscado. Tinham sua família viva. Não sei o que aconteceu com a minha. Como se podia permitir que todos esses crimes acontecessem no século XX, sem que nem uma só nação tentasse nos salvar? Onde estava Deus? Teria Ele dormido? Estava perdendo minha fé na humanidade. Questionava a existência de Deus. Afinal de tudo, tinha visto o crematório soltando fumaça o dia todo em Auschwitz. As crueldades sádicas que testemunhara davam-me razões para acreditar que havia muito poucas chances de que veria todos de minha família de novo.

Depois de trabalhar na cozinha por cerca de três meses, escutei as duas empregadas mostrando preocupação sobre o quão próximo os russos estavam e sobre o que aconteceria com eles. Para nós, isto significava uma esperança, de que nossa liberdade se aproximava. (...)
Os russos estavam se aproximando. Tínhamos visto explosões de artilharia bem próximas. Nossas vidas estavam sob risco elevado. Todos estavam com medo. Continuamos a trabalhar mais umas duas semanas, mas uma manhã, ao invés de sermos levados para o trabalho, fomos transportados de volta para Auschwitz. Era muito difícil ainda ter esperança. As pessoas em Auschwitz pareciam esqueletos e tinham inveja por termos passado tempo trabalhando em uma fazenda. Nos disseram que tinha irrompido uma epidemia de tifo. Alguns dos barracões tinham sido queimados até as fundações. As pessoas morriam como moscas. Não podia achar palavras para explicar a intensidade do crime. Por aquela época, parecia que éramos os remanescentes de uma raça. Ficava dizendo a mim mesma para não desistir – se alguém de minha família tivesse sobrevivido, poderiam precisar de mim. Este sentimento de responsabilidade para minha família e com nossa raça mantinha-me lutando para ficar viva.

A fome, sujeira e tortura continuavam. Uma manhã, para meu espanto, recebi um pequeno pacote. A Kapo que me deu, disse que tinha que levar de volta uma resposta. Eu o abri: havia um pouco de pão, um lápis e um bilhete. O conteúdo do bilhete era o seguinte: “nasci na Polônia. Não sou judeu. Expressei publicamente a oposição ao governo; por isso fui enviado para Auschwitz. Sou um médico. Gostaria de saber se você se casaria fora de sua fé”. Não demorei muito a responder. Em meu coração, sabia que não casaria fora de minha fé, por respeito aos meus pais. Também, não tinha ainda abandonado a esperança com relação a Ainsley. Assim, expressei meus agradecimentos a ele e disse minhas razões. Nunca mais ouvi dele de novo, mas foi um tremendo apoio moral acreditar que havia algumas pessoas decentes lá fora e que eu deveria fazer o máximo para sobreviver.

Umas poucas semanas depois, Magda e eu, junto com muitas outras pessoas, fomos levados para outro campo de concentração. Quando chegamos, dois Kapos estavam encarregados de levar-nos para dentro do campo. Para nosso azar, tomaram liberdades por sua posição de superioridade, nos abraçando e agarrando. Foi embaraçoso e fiquei apavorada. Disseram que lembrávamos-lhes suas irmãs. Logo uma fila foi arrumada e caminhamos para o campo.

Quando entramos no campo, foi uma experiência pavorosa. No meio do terreno havia uma imensa vala. Tivemos que nos alinhar em um dos lados. Em nossa frente, no outro lado, os soldados SS estavam de pé, com seus fuzis apontando para nós. As pessoas ficaram em pânico, temendo que estivéssemos em frente a um pelotão de fuzilamento. Tentei acalmar as pessoas na minha frente com a explicação de que, se quisessem nos matar, isto teria sido feito em Auschwitz. No fim, era só um treinamento militar.

Fomos levados a um prédio onde tivemos que tomar uma ducha e foram-nos dados outras roupas, uniformes com listras cinzentas e azuis. Nós fizemos uma fila para a comida, que foi dada em um prato. Era mais no estilo militar e parecia muito melhor que Auschwitz.

Cedo a noite senti-me cansada e deitei-me em uma dos catres debaixo de um beliche. Enquanto descansava, minha prima correu e estava excitada. Disse-me que dois dos Kapos tinham trazido pão para nós. Não pretendia ir e implorei para não ir, mas ela só correu para fora, dizendo que precisávamos do pão. Apesar de não querer ir, corri atrás dela, para que não ficasse sozinha. Os dois jovens rapazes ficaram felizes em nos ver. Um deles estava segurando minha mão quando de repente as luzes apagaram. Diversas pessoas entraram. Fomos escoltadas de volta ao nosso barracão, mas levaram Magda com eles. Teve que se despir totalmente e esperaram. Pouco depois um oficial SS chegou e minha prima foi surrada com um bastão de borracha. Ouvi-a gritar e senti a sua dor. Em meu coração, sabia que ela queria apenas o bem para nós. Só queria um pouco de pão. Quando terminaram com ela, esperava que viessem me pegar, mas isso não aconteceu. Magda disse-lhes que eu só tinha corrido para lá para chamá-la de volta. Podíamos ver os dois Kapos fora, havia dois postes com uma corda grossa no meio. Cada homem estava amarrado pelos pés e braços e foi deixado lá, pendurado no poste, por horas.

Na manhã seguinte fomos amontoados como sardinhas em um vagão e fomos enviados para um campo de trabalhos forçados. Levou muitas horas para chegar lá. Lembro-me de dizer a Magda que as pessoas eram muito boas, pois tinha caído no sono em cima delas. O que não tinha percebido é que estava dormindo em cima de corpos mortos. Minha prima sofria de dores terríveis da surra. Quando o trem parou, finalmente, no destino designado e a porta abriu, fomos forçados a carregar os cadáveres.

Dormimos no chão em um barracão, com somente um pouco de palha espalhado em volta. A comida era horrível e muito pouca. Para descrever a extensão da fome, uma vez retirei uma migalha de pão da parede da latrina e a comi. Homens e mulheres usavam a mesma latrina. Não havia nada parecido com dignidade humana.

O trabalho era duro. Recebemos uma picareta e tínhamos que cavar uma área montanhosa, para construir uma trincheira. Não recebemos roupas quentes. Embrulhávamos os pés em pedaços de trapos, tínhamos medo de congelamento. Algumas vezes gostaríamos de poder falar com alguém, mas um soldado SS aparecia imediatamente, gritando para parar de falar e continuar trabalhando.

Um dia, Magda ficou doente. Não conseguia ir para o trabalho. Fiquei preocupada o dia todo, o que aconteceria com ela? A mesma coisa aconteceu comigo também. Não havia um médico. Por sorte nossa, no dia seguinte conseguimos ir para o trabalho. As pessoas que ficavam afastadas do trabalho mais de duas vezes, nunca víamos de novo.

Eventualmente, à medida que os russos estavam avançando, este campo teve que ser eliminado. A marcha começou. Ainda era o inverno e estava muito frio. Marchamos o dia todo. Quando algumas pessoas estavam próximas do colapso e os próprios guardas estavam muito cansados, normalmente encontravam um local para nós onde podíamos passar a noite, normalmente em baias, como animais. Estávamos famintos. Lembro que, uma vez, quando marchávamos, reparei em algumas cascas de batatas congeladas na neve. Peguei algumas rapidamente e as comi.

Uma noite, depois de termos sido trancadas em uma baia, uns poucos de nós decidiram que deveríamos tentar escapar. Subimos ao sótão. Estava cheio de forragem. Nos enterramos na forragem. Na manhã, quando os guardas SS vieram nos levar, ficamos no sótão. Na primeira noite, alguém atirou algumas cenouras e foi isso que comemos. Mas na manhã seguinte, um grupo de rapazes, adolescentes fanfarrões, vieram até o sótão. Um a um, nos jogaram pela janela, gritando, “Juden, Juden!” [Judeu, Judeu!]. Caindo dois metros e meio, me concentrei em cair sobre meus pés. Todos ficamos doloridos e machucados. Em pouco tempo, um guarda SS veio e levou-nos de volta para o grupo, e mais uma vez a marcha continuou.

Uma noite, era bem tarde. Estávamos extremamente cansadas e minha prima sentia-se doente. Implorei-lhe para continuar a caminhar. Ela virou-se e disse: “Vera, continue você. Não posso caminhar mais” e caiu. Naquele momento, deitei-me ao lado dela, dizendo-lhe para fingir que estávamos mortas. O primeiro guarda gritou para que levantássemos, continuássemos a caminhar. Quando um segundo guarda veio e quis disparar contra nós, lhe disse, “estão mortas, não desperdice suas balas”.

Imóveis, ficamos ali até que não houvesse mais sons. Naquele momento, disse a Magda que tínhamos que continuar caminhando, ou congelaríamos até a morte. Lentamente rastejamos para fora da sarjeta. Com Magda se apoiando em mim, lentamente caminhamos. De repente percebemos uma luz. Logo percebemos que era uma casa. Neste ponto, não tínhamos escolha. Ninguém disse uma palavra para nós. Ficamos encolhidas embaixo de uma cama e caímos no sono ali. Na manhã, um homem nos cutucou com uma vassoura, gritando, “Juden heraus” (judeus, caiam fora). Rastejamos para fora. Após deixar a casa, jogou algumas migalhas de pão para nós. Parei para pegá-las e comemos tudo. Lembro de pensar que ainda havia alguma humanidade restante nele.

Continuamos a caminhar. Andamos por uma área mais povoada e de repente vimos um policial dirigindo o tráfego. Rapidamente fizemos uma volta e entramos em uma casa. Uma mulher veio a nós e perguntou se queríamos alguma comida. Naturalmente queríamos, estávamos famintas. Ela voltou com duas porções de presunto e purê de batata em pratos de porcelana, com talheres. Não sabíamos exatamente porque estavam sendo tão bons, mas logo outra mulher veio e nos disse que os russos tinham chegado na área e que, se os russos viessem até a casa, queriam que disséssemos que eram boas pessoas, que nos tinham protegido e dado comida. Agora entendíamos a situação em que estávamos. Ficamos felizes, pois finalmente ficaríamos livres.

Passados alguns minutos, soldados russos entraram na casa. O pai ou avô estava sentado com todas as suas condecorações militares em seu uniforme. Um soldado russo fuzilou-o imediatamente. Ficamos com medo. Não sabíamos o que aconteceria a nós. Uma das mulheres veio a mim, implorando para salvar a sua filha, dizendo que um soldado russo a tinha levado para um quarto e que a mataria. Pensando como nos tinham tratado bem, corri para o quarto. Ainda era muito ingênua, não percebia que estava estuprando-a. Comecei a explicar que essas pessoas nos tinham dado comida. Ia pegar sua arma. Minha prima correu para o quarto, me agarrou, deu um tapa na minha cara, e puxou-me para fora. Ela estava tremendo. Perguntou-me: “você não sabe a razão porque ele levou a garota para aquele quarto?” Naquele momento, eu não sabia. Estava tentando salvar uma vida, mas estava em estado de choque. Se não fosse por Magda, teria sido morta.

Também percebemos que corríamos perigo. A liberdade pela qual esperávamos não veio. Não havia lei e ordem. Estávamos sozinhas. Quando a noite veio, dormimos com nossas cabeças cobertas por um xale, para parecer menos atrativas. Mesmo assim, uma noite enquanto ambas dormíamos, um soldado me acordou. Com sua lanterna brilhando nos meus olhos, ordenou para ficar de pé e segui-lo. Eu estava aterrorizada. Gritei e chorei. Minha prima tentou explicar que tínhamos estado em um campo de concentração, que éramos judias. Ele disse que judeu era bom. Então Magda disse-lhe que eu era só uma criança. Neste momento ficou zangado e disse a Magda, “você não é uma criança”, e a forçou a ir com ele. Fiquei esperando atormentada, sem saber o que aconteceria com ela. Voltou logo e disse que não tinha conseguido estuprá-la, pois chorara e gritara muito. Ficou zangado e bateu nela com seu fuzil e deixou-a ir. O medo continuava todos os dias.

Continuávamos procurando por comida. Encontramos uma jovem garota e sua mãe de origem polonesa. Acharam algumas batatas, as cozinharam e insistiram em partilhá-las conosco. Também eram sobreviventes. Nunca pude esquecer delas. Uma vez nos escondemos em uma pilha de forragem para evitar alguns soldados. Devem ter reparado em nós e incendiaram a forragem, para forçar-nos a sair. Um oficial russo mais velho reparou na gente. Disse que parecia com sua filha. Ele mantinha uma camaradagem com uma mulher da mesma casa onde ficávamos. Tivemos sorte dele notar a situação em que estávamos.

Uma tarde encontramos uma jovem garota, também uma sobrevivente. Vinha de uma família muito religiosa. Disse-me como era grata por ter sobrevivido e que quando fosse para casa, esperava achar sua família. Bem, isso não aconteceu. Um soldado russo bêbado a estuprou durante a noite. Na manhã seguinte a garota estava morta, tinha sangrado até a morte. O soldado ainda estava ao lado dela, bêbado.

O oficial russo mais velho se tornou um bom amigo para nós. Algumas vezes trazia alguma comida. Lembro claramente do casaco de inverno bege e branco que me deu, também sapatos, mas, acima de tudo, lembro que provavelmente salvou nossas vidas. Cedo numa manhã, pessoas jovens foram reunidas. Magda e eu fomos escolhidas. Disseram para entrar em um caminhão do exército. Ambas tentamos explicar que não éramos o inimigo, que não éramos alemãs, que éramos sobreviventes judias, mas não fez diferença. Fomos forçadas a entrar no caminhão. Enquanto esperávamos no caminhão, reparamos que nosso amigo, o oficial russo, estava falando com os soldados, e logo depois vieram nos dizer para sair do caminhão. Não sabíamos como lhe agradecer o suficiente. Mas, este homem tinha um coração. Sabia de nosso sofrimento e só queria nos ajudar. Não esperava nada de nós. (...)

Semanas passaram, o clima estava ficando mais brando. Magda achou uma bicicleta. Decidimos procurar em dupla por comida nela. Conseguimos encontrar um pouco de comida e estávamos voltando quando em uma estrada de terra deserta quando ouvimos soldados russos nos chamando. Magda acelerou, pedalando o mais rápido que podia. Os soldados começaram a atirar. Se estavam só atirando para o ar ou se erraram o alvo, não sabíamos. O fato importante é que conseguimos fugir ilesas.

Várias semanas mais passaram, era a primavera. Estávamos imaginando como e quando seríamos capazes de voltar para a Hungria. Tinha medo, mas ainda esperava e rezava por algum milagre que fizesse ver minha família de novo. Em minha mente, não queria acreditar que o mundo permitiu o genocídio sem razão de nosso povo, somente por sermos membros da fé judia. Parecia ser criminoso, tão inacreditável mas, naturalmente, dado o que tinha visto e pelo que tinha passado, havia muitas razões para estar temerosa.

Em um dado momento em maio, nosso amigo, o oficial russo, veio ver-nos. Disse que a ferrovia para a Hungria tinha sido consertada. Disse o momento exato quando um trem estaria saindo. Aconselhou a tomá-lo e seguimos o seu conselho. Sabíamos que só queria o nosso bem. Queríamos muito voltar, apesar de que nunca mais pude chamar novamente a Hungria de lar. Amava o país; era bonito, mas ficava me lembrando da cooperação do governo húngaro com os alemães, e a vontade deles em fazer todas aquelas atrocidades horríveis contra nós.

Chegamos no trem. Foi difícil entrar no vagão de carga. Não havia plataforma; tínhamos que puxar-nos para dentro. Estava repleto de soldados russos, muitos deles bêbados. Com nossas cabeças cobertas – parcialmente cobríamos também nossos rostos – não olhávamos para nada, a não ser para o chão. A única cisa que vimos: soldados bêbados urinando no piso. Depois de várias horas, o trem parou em uma pequena cidade. Saltamos e nos transferimos para um trem de passageiros. Enquanto caminhávamos, procurando um assento, uma mulher cuspiu em frente a nós e disse o seguinte: “esses judeus sujos estão voltando”. Naquele momento fiquei muito feliz por termos sobrevivido e que os anti-semitas sentiam a derrota. (...)

Agora é outubro de 1999. Estamos nos preparando para passar os duros meses de inverno na Florida. Estou terminando minhas memórias. Foram muito difíceis de escrever. Estou cansada mental e fisicamente. É impossível aceitar esta indescritível tragédia que a humanidade deixou acontecer. A despeito de todo nosso sofrimento, sou grata às garotas Freed de Vár utza, Kisvárda. Elas me levantaram e me encorajaram a continuar a caminhar de Birkenau para Auschwitz. Elas tiveram suas grandes perdas, mas ainda assim se preocupavam com outro ser humano.

Fonte: Montreal Institute for Genocide and Human Rights Studies - Holocaust Survivors Memoirs