domingo, 19 de dezembro de 2010

Judeu – filho da mãe?


Somos todos filhos de D-us
Um dia, no Éden, Eva diz a D-us: Estou com um problema! — Qual é o problema, Eva? —D-us, Você me Criou, me Colocou neste lindo jardim, com animais maravilhosos e uma serpente hilariante, mas não estou muito contente. — Por que? — D-us, estou só. — Bem, neste caso, Tenho uma solução. Criarei um homem para você. — O que é um homem? — É uma criatura com características ruins: vai mentir, se vangloriar; mas o Criarei para satisfazer suas necessidades. Não será muito inteligente assim ele também precisará do seu conselho para pensar bem. — Qual é o truque? Eva pergunta desconfiada. — Bem, tem uma condição. — Qual é? — Como Eu Disse, ele será orgulhoso e narcisista. Assim você vai ter que deixar ele acreditar que Eu o Fiz primeiro. É nosso pequeno segredo... Você sabe, de mulher para mulher.
Provocações à parte, D-us é “Pãe”, pai e mãe. Como o judaísmo não é antropomórfico, D-us não é homem nem mulher, mas abrange o “masculino” E o atributo feminino Shekhiná, Divina Presença.

Matrilinearidade
A maioria das sociedades antigas, orientais e as chamadas primitivas eram (e são) matrilineares e matriarcais; isto é, a linhagem, descendência é definida pela mãe e as mulheres têm o papel central na organização e controle (autoridade) de seus grupos, tribos ou nações.

Sempre digo que o judaísmo é biblicamente definido como patriarcal E matriarcal (3 patriarcas: Abrão, Isac e Jacó e 4 matriarcas: Sara, Rebeca, Lea e Rachel); estas com maioria absoluta (4X3) e relativa, desde Gênesis 21:12: “D-us diz a Abraão: tudo o que Sara te disser, escuta a voz dela!”

A concepção errônea do machismo ocidental como herança “judaico-cristã” deriva ipso facto da sociedade greco-romana: gregos, cuja filosofia não conferia sequer uma “alma” à mulher e dava direitos senhoriais aos maridos, tendo melhorado um pouco entre romanos, com o casamento em conjugium (jugo mútuo), todavia oposta à concepção judaica da mulher e do casamento.

Isto sem mencionar o papel especial da Ídishe Mame (mãe judia) que concede, após milênios de aculturação, a última palavra ao marido: Sim, querida!

E o filho da mãe?
No judaísmo esta expressão não tem caráter pejorativo nem agressivo. Judeu é definido como “filho de mãe judia (ou conversa) ou convertido ao judaísmo”.

Muitos, por questões pessoais ou sexistas, alegam que esta definição é “ginecológica”, deriva de halakhot (encaminhamentos legais, jurisprudências) medievais e contradiz a linhagem (Cohen, Levi, Israel), determinada pelo pai, que tem caráter simbólico litúrgico (embora cerimônias, por exemplo, o Pidion há-ben, resgate do primogênito, dependa da mãe ser Levita); além, claro, da argumentação “feminista” que hoje homens e mulheres desempenham os mesmos papéis sociais, etc., que demonstra um desconhecimento que no judaísmo isto é fato e princípio essencial, desde os primórdios. O “argumento de bolso inquestionável” de alguns é que a matrilinearidade não está definida na Torá. Sorry, periferia, mas está na Torá e no Talmud! Comecemos com a Halakhah.

Uma Halakhah medieval
Em 1319, aldeias de judeus foram atacadas e houve muitos estupros. Os rabinos exararam uma Halakhah para não prejudicar a vida judaica dos filhos nascidos do estupro de uma judia, para que não fossem execrados pela comunidade e sim, tratados com todos os seus direitos. Sob essa ótica, a lei mostra-se incrivelmente humana, pois em outras culturas, mãe com filho de estupro seria certamente expulsa do convívio social. Observando-a em seu contexto, ela visava a preservar as pessoas e estabilizar uma situação terrível (como outras posteriores, semelhantes).
Para quem duvida: está na Torá!

A fonte básica da Torá sobre matrilinearidade judaica está em Deuteronômio 7:3,4: D-us ordena que, em Canaã, os homens não deverão se casar com mulheres gentias, de outros povos, para que seus filhos não se desviem, saindo do judaísmo; que o filho de moça israelita com gentio é judeu; já filho de judeu com gentia, não o é; o texto diz que será filho “dela”, isto é, não judeu. Adicionalmente, Levítico 24:10 cita explicitamente o caso do filho de uma israelita com um egípcio como membro da comunidade israelita, isto é, judeu. Outra menção, já no Tanakh, em Esdras 10: 2-3, mais dura, mas sem dar margem a dúvidas, relata que os judeus que retornaram a Israel do exílio da Babilônia tiveram que abandonar suas esposas não-judias e seus filhos com elas.

Referências Helenistas
Flávio Josefo chega a se referir a filho de casamentos entre judeus e gentias como “meio-judeu” . Já Filon de Alexandria chama filho de judeu com não-judeu de “nothos” (bastardo), independente do ser o gentio o pai ou a mãe .
Não satisfeito? Veja no Talmud

O texto da Mishnah, tratado Kidushin 3:12, diz que o filho de mãe gentia é como ela, ou seja, não judeu. O Talmud (Kidushin 68b) questiona como saber se esta lei se aplica a qualquer não-judeu, já que o versículo da Torá se refere a povos canaanitas e responde, com base no próprio verso: “ele desviará teu filho de Mim (D-us)”, implicando que todos os que o fizerem estão incluídos.

Respostas atuais
O judaísmo reformista norte-americano adotou a política bilinear em 1983: é judeu se pai ou mãe for judeu, provando que foi criado como judeu e está engajado em ato público de identificação. Algumas congregações apresentam mais requerimentos formais, especialmente se o indivíduo foi criado como cristão. Outros movimentos dentro da União Mundial pelo Judaísmo Progressista adotam essencialmente a mesma posição, como o judaísmo liberal na Inglaterra; judaísmo progressista reconstrucionista nos EUA, Canadá, etc; judaísmo progressista na Austrália; uma congregação na Áustria e algumas na Europa Ocidental. Convém observar que o judaísmo reformista, no Canadá e na Inglaterra, adota uma posição diferente, mais próxima da Ortodoxia.

Ciência: novas questões
Um religioso observa as mitzvot per se, mesmo o judaísmo não sendo dogmático, o que não o impede de pesquisar e se desenvolver cientificamente – muito pelo contrário. Para ilustrar, cito, como homenagem, um ilustre filho de Israel em seu centenário, Albert Einstein: “A religião sem ciência é cega; a ciência sem religião é coxa”. Uma das belezas do judaísmo é a capacidade de responder com leis milenares a questões novas, resultantes do avanço do tempo e da tecnologia.
Assim, para concluir, inovações bastante atuais referem-se à maternidade: a inseminação artificial e a clonagem. Sem entrar em polêmicas éticas, juridicamente temos uma resposta milenar que, paradoxalmente, é a definição ortodoxa! Hipoteticamente um ser humano poderá ser gerado em laboratório, necessitando apenas da mãe... Sou totalmente a favor do método natural mais tradicional (no mínimo, o mais divertido), tendo sido uma estéril agraciada com o milagre de um filho e acho que crianças devem ter pai e mãe educando. Já me antecipando a perguntas ou pedradas, amparo-me na Mishnah: Honra como pai (genitor) aquele que te criou!

Por: Jane Bichmacher de Glasman

Notas
1 - Antigüidades Judaicas 16:225;18:109, 139, 141; 14: 8-10, 121,403.
2 - Sobre a vida de Moisés 2. 36, 193, 1. 27. 147; Sobre as virtudes 40. 224.

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